O
mundo da espionagem e seus agentes é sempre um prato cheio para os escritores e
para os amantes de uma boa história permeada por intrigas internacionais,
correria sem fim, lutas corporais e psicológicas e, porque não, um pouco de
romance. É fato comprovado que toda vez que alguém lhe perguntar qual é o mais
famoso agente secreto da ficção, sua resposta, automaticamente, será Bond,
James Bond. O agente 007, tem licença de sua Majestade, a Rainha, para matar e
torturar em prol do bem estar de seus súditos britânicos.
Acontece
que não é só a rainha da Inglaterra que tem o privilégio (?) de ter alguém
disposto a matar e morrer pelo seu país e em favor do bem estar dos indivíduos
que ali vivem. O presidente dos Estados Unidos também conta com a ajuda (quase
sempre) incondicional, focada e muitas vezes, visceral de um agente. Bauer. Jack
Bauer é o seu nome.
Na
semana passada foi exibido, com apenas um dia de diferença entre EUA e Brasil,
o décimo segundo e último episódio do mais novo dia infernal e caótico na vida
desse cara que muitas vezes eu achei que fosse completamente maluco da cabeça,
mas que no fim sempre se mostra mais são do que todos os envolvidos na trama da
temporada.
Criada por Joel
Surnow e Robert Cochran, 24 foi
produzida para a FOX Networks e encontrou em Kiefer Sutherland seu
protagonista. É interessante ressaltar que Jack Bauer foi como uma espécie de
renascimento para a carreira do ator. Em sua juventude, Kiefer, que é filho do
ator veterano Donald Sutherland, foi considerado uma das maiores promessas de
Hollywood, mas o abuso de álcool e drogas acabou minando suas chances de
alcançar o sucesso esperado pela crítica. Por muito tempo ele amargou papéis
pequenos em filmes sem expressão, o que não ajudava em sua recuperação. A série
entrou em sua vida como uma aposta extremamente alta para alguém que quase não
via mais esperança de recomeçar. Felizmente, para ele e para nós, Kiefer
apostou e viu não só sua carreira decolar, como ajudou a trazer para a televisão
algo novo e ousado.
24 é classificada como uma série
dramática, apesar do ritmo frenético das inúmeras cenas de ação que permeiam o
seriado. Sua trama geral é focada no trabalho do agente na Counter Terrorist
Unit (CTU) ou em português, Unidade Contra Terrorista (UCT), uma agência governamental
ficcional, responsável pela detecção e neutralização de ameaças terroristas em
solo norte-americano e/ou contra cidadãos norte-americanos. É claro que nosso
herói não se restringe a essa descrição, sendo ele um verdadeiro “defensor de
fracos e oprimidos”, com a diferença de que seus métodos são sempre bastante
questionados por aqueles que não compartilham de sua visão de fazer o seu
trabalho “custe o que custar”. A série, inclusive, já foi alvo diversas vezes
de grupos de defesa dos Direitos Humanos, que sempre criticaram muito o uso da
tortura por parte da personagem principal. Não creio que as críticas sejam
infundadas, já que a tortura é algo absurdo e completamente condenável,
entretanto, a série nunca banalizou o ato, simplesmente trouxeram para a ficção
algo que é bastante comum e muito utilizado em diversas agências de
inteligência e forças armadas pelo mundo afora. Ressalta-se também que Jack não
sente prazer algum no ato de torturar, pelo contrário, ele o faz simplesmente
porque o tem de fazer, mas não tira dali nada além do que quer ouvir.
O formato de 24 está intimamente relacionado com o
nome escolhido. Cada temporada (com exceção da última exibida, 24: Live Another Day) possui 24
episódios, e cada um desses tem a tarefa de mostrar uma hora do dia de Jack
Bauer. Ao final da temporada assistimos um dia completo na vida do agente da
CTU. O relógio digital, sempre aparecendo na tela em momentos decisivos de cada
episódio, serve tanto para situar o telespectador naquele momento quanto para
dar a série o ar de “tempo real”, que é um dos grandes diferenciais do formato
pensado pelos seus criadores. Além dele, a técnica de telas divididas é
essencial para transmitir ao público a ideia de que várias ações relacionadas à
trama central daquela temporada estão ocorrendo ao mesmo tempo.
Foram
oito temporadas, entre os anos de 2001 e 2010. Em 2007 teve início uma greve de
roteiristas de tevê, cinema e rádio, deixando o mundo do entretenimento de
cabelos em pé por quase um ano e meio, quando teve seu fim em 2008. Para cobrir
esse “hiato forçado”, os produtores da série criaram o filme Redemption, que serviu como uma espécie
de ponte entre a sexta e a sétima temporada. O que era para ser um “tapa buracos”
acabou rendendo inúmeras críticas positivas da mídia e dos fãs, várias
indicações a prêmios, incluindo uma ao Globo de Ouro e cinco ao Emmy Awards e
seu grande trunfo foi mostrar ao público o lado mais humano de Jack (mesmo que
já tenhamos visto esse lado tantas vezes, porém sempre em momentos tão
dolorosos para o protagonista – situações envolvendo Teri, Kim, Tony, Michele,
Chloe, Bill, Curtis etc).
Jack
Bauer é um especialista em contra terrorismo, mas poderia muito bem ser
classificado como especialista em tragédias pessoais. Sua família se desintegra
já na primeira temporada, sua filha Kim “bate cabeça” até se acertar lá pela sétima,
aqueles que ele considerava como seus melhores amigos, quando não morrem mortes
dolorosas (saudades Tony Almeida), acabam voltando para lhe trair (saudades
Tony Almeida) e seus amores, bem, não têm melhores destinos. Só uma pessoa é
uma constante na vida de Jack Bauer e essa é Chloe O’Brian, a analista de dados
da CTU, presente na vida de dele desde a terceira temporada. O’Brian é a
segunda personagem que mais apareceu na série, com uma contagem de 137
episódios, ficando atrás somente de Jack, que deu as caras em todos já
exibidos. Chloe é, como ela bem colocou em LAD,
a única amiga que resta a Jack e ela tem toda razão. Sempre disposta a
ajudá-lo, infringindo leis e colocando-se em perigo muitas vezes, é ela quem
tem linha direta com Bauer e praticamente coordena as ações do agente quando ele
está em campo. A parceria deu tão certo que Kiefer Sutherland e Mary Lynn Rajskub
dublaram suas respectivas personagens para um episódio de Os Simpsons
totalmente inspirado no formato da série (pra quem quiser conferir, é o 21º
episódio da 18ª temporada de Os Simpsons e recebeu o nome engraçadinho “24 minutes”). Jack e Chloe foram “simpsonizados”
e ambos aparecem em uma espécie de linha cruzada com Bart e Lisa. Vale a pena
conferir.
Como
era de se esperar, Chloe está de volta também em 24: Live Another Day, uma “meia nona temporada”, já que ao invés de
24, essa nova cruzada de Jack possui somente 12 episódios. Dessa vez os eventos
ocorrem em Londres e além de Chloe, outras duas personagens (tudo bem, você que
já assistiu LAD sabe que outras caras conhecidas aparecem, mas parafraseando
River Song, de Doctor Who: SPOILERS!) muito importantes na história de Jack
fazem as honras: James Heller, agora presidente dos Estados Unidos, enfrentando
um Mal de Alzheimer em avanço, e Audrey Raines (sim, eu me recuso a chamá-la de
Audrey Boudreau), o grande amor de Jack, agora casada com o chefe de gabinete
de seu pai, Mark Boudreau. É claro que 12 episódios são quase nada se
comparados à experiência que nós, fãs, estamos acostumados a vivenciar com 24
horas de muita ação, drama e fôlego preso até os minutos finais de cada
episódio. Contudo, a sensação de ter Jack Bauer de volta e a sensação de que
podemos perder Jack Bauer de vez é absolutamente deliciosa, faz com que a gente
tente ao máximo aproveitar cada segundo dessas 12 horinhas que nos foram
gentilmente concedidas. Personagens novas também dão o tom para essa
empreitada. Kate Morgan é a agente da CIA cheia de problemas pessoais e que,
por alguns momentos, me pareceu uma versão feminina e um pouco menos intensa de
Jack. Margot Al-Harazi (da linda e excelente Michelle Fairley, a Catelyn Stark
de Game of Thrones) é a viúva terrorista que envolve os filhos numa trama de
vingança e ódio, ao tomar o controle de drones norte-americanos repletos de
mísseis. Temos ainda o estranho Adrian Cross, responsável pelo grupo hacker londrino
do qual Chloe faz parte, um cara dúbio em suas atitudes, ora sendo desagradável
e grosseiro com Jack, ora oferecendo ajuda ao mesmo.
12
horas foram muito pouco, como já disse, porém, depois de quatro anos sem
qualquer ciência a respeito do paradeiro de Jack, esse meio dia já foi
suficiente para empolgar e nos fazer, novamente, especular sobre o destino
desse cara que todo mundo quer capturar, mas ninguém quer encontrar “na reta” quando
a situação fica feia. Jack Bauer é assim, é o tipo de herói que não é herói.
Não tem lá muitos escrúpulos quando se coloca frente ao bandido, não dá chance
para o azar e calcula todos os seus movimentos. Ele é capaz de virar o mundo de
cabeça pra baixo a fim de fazer valer o que acredita, e sim, ele tem princípios
e valores, sendo a lealdade um dos que ele mais preza. E vocês sabiam que ele
já é avô? É isso que eu adoro na personagem, toda essa ambiguidade entre o Jack
violento, que tortura, que mata sem pensar e o cara que sonha em voltar a ver a
filha e os netos, mas que sabe que isso não será possível, talvez nunca mais.
Sua estrada não tem retorno e se alguém quer ter Jack Bauer como companhia, é
bom saber que ele não pode parar, não pode esperar e não pode voltar, por e
para ninguém. Sua sobrevivência depende disso e, depois de nove temporadas e um
filme, eu acho que a gente também depende, já que salvar o mundo é a tarefa
mais básica na vida desse sujeito, mais básica até mesmo do que respirar.
E
que venha mais outro dia para ele viver!
Brigada e até mais ver
Dani
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